Anoitecia nas suas pálpebras que, pesadas e ligeiramente entreabertas, procuravam a serenidade do sono. As janelas por onde observava o mundo queriam à força fechar-se, colocando o corpo em ponto morto, numa passividade pacífica. O aconchego dos lençóis que lhe cobriam o corpo parecia enroscar-se nela, entorpecendo-lhe os membros e empurrando-a sorrateiramente para o marasmo da noite. Só que, e com isto é que ela não contava, havia no seu íntimo um crescente querer. Um desejo contido, forçado a manter-se quieto mas que ansiava por emergir. Um sussurro latejante e repetitivo, uma voz que lhe desassossegava a calma, um eco de luxúria que lhe dizia sem cessar: "Toca-te. Sabes que queres. Toca-te. Sabes que queres."
Rogou clemência ao corpo, implorou que só por uma noite pudesse não sucumbir às vontades inexplicáveis, ao saciar implacável que lhe era exigido, ao constante queimar do fogo que lhe toldava os sentidos e a faziam entrar em colisão consigo mesma. "Toca-te. Sabes que queres. Toca-te. Sabes que queres." O corpo teimou em não lhe dar tréguas, incitou-a a querer-se, a amar-se, a perscrutar-se. Decidiu vingar-se. Achou que dando tudo de si, que violentando a volúpia, havia de acalmar. Procurou os lábios, grandes, como que moldados ao tamanho do seu desejo e encontrou-os quentes. A ironia chegava a ser perfeita. Quanto mais se continha mais o seu corpo dava mostras do contrário. Afastou-os, como que abrindo um livro, e encontrou mais uma prova do seu esforço inglório. Molhada. Encontrava-se irremediavelmente molhada. Folheou dedo a dedo, página a página, recitou cada letra do alfabeto, sentindo o coração a querer saltar do peito enquanto soltava um "Ahhhh" que culminava num "Ohhhh" sem nunca esquecer um "Ai". Conhecia tão bem os caprichos do seu corpo, caprichos que inevitavelmente se acabavam por confundir com os seus, que a sequência de gestos e acontecimentos era imbuída da maior eficácia e perfeição. Inspirou o aroma que emanava dos seus poros, provou o seu sabor, gostava de o sentir mesmo sozinha, e num segundo de fugidio acariciar alcançou o prazer do sono. Atingiu o auge do cansaço, caminhou em direcção à noite, adormeceu. Contrariada. Mais uma vez o corpo havia vencido.
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