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(Ela) tem Caprichos Matinais CIII

Acordar e sentir o apelo. Abrir os olhos e sentir o vazio, os buracos despojados de preenchimento. Acordar e sentir o molde feito à imagem da perfeição sem o gesso que se havia de adaptar e cobrir todas as texturas, todas as reentrâncias, todas as curvas, todas as proeminências, todos os sulcos, fendas e rachas. Acordar e sentir o chamamento do corpo, o grito por sentir, por ver a mente elevar-se à vontade impreterível de satisfação, de prazer. Abrir os olhos, ainda pesados da sonolência, e provocá-lo para se obrigar a agir e a sair da inércia, para se obrigar a sucumbir ao ardor, ao fogo que lhe devastava a pele, queimando ao toque numa urgência desmedida, num fulgor tão tóxico quanto delicioso, num desvario tão solitário quanto imenso. Acordar e entregar-se ao prevaricar, ao tocar e explorar das entranhas em busca do prazer, rebuscando por entre mel e desejo, molhando os dedos e fazendo-os desaparecer em movimentos ritmados ao gosto e necessidade daquela manhã, daquele corpo apoquentado pela memória denunciando a alma insaciável que lhe habitava a carne e a instigava a deliciar-se e saciar-se sempre, a procurar os adjetivos que lhe haviam de suprir as lacunas, a buscar a matéria-prima que havia de se unir ao seu molde e criar a peça de arte mais sublime, mais perfeita e mais incompreendida do mundo.   

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