Nada o fazia prever. Ainda se lembrava de estar a escolher a roupa para vestir, sexy mas com classe, duvidou se saltos altos seriam a melhor opção para uma noite que se avizinhava longa, preto a cor de sempre, perfume suave mas envolvente. Contudo, agora, tudo lhe parecia búzio, nublado, como se tivesse acontecido há dias e não há míseras horas. Saiu de casa pronta a divertir-se com as amigas de sempre, apanhou um táxi na praça junto a casa. Foi cobiçada pelos homens que se cruzavam com ela na rua, sentia-se bem. Ainda ouviu uma voz ao longe inquirindo "para onde iria ela passear aquela sensualidade toda". Riu baixinho e caminhou segura. Ao fechar a porta do táxi conferiu o telemóvel. Encontrava-se inundado de sms das amigas que já a esperavam e reclamavam a sua presença imediata. O peso do dia-a-dia evaporou-se mal entrou no restaurante cuja gerência lhes reservou o local para uma festa privada e onde elas eram as únicas clientes. As conversas fluíam intensamente, os copos e garrafas giravam de mão em mão, de boca em boca. O cenário afigurava-se deslumbrante. Um grupo de mulheres imbuídas de sensualidade, arranjadas, bonitas e de corpos esbeltos e curvas de prender o mais incauto dos olhares. A música ecoava ao longe, abafada pelas vozes animadas, pelos risos estridentes de quem se divertia alheio ao mundo exterior. Ela não se destacava de forma especial, não sobressaía do todo. O aglomerado compunha um arranjo de feminilidade, de suave erotismo, de beleza e glamour. Entregaram-se à dança como um acto mecânico, como que directamente decorrente do estado de espírito e do efeito da bebida no auto-controlo que o recato normalmente impunha. Soltaram-se de tal forma que não havia corpo que não ondulasse, que não ardesse de calor, que não emanasse desejo e volúpia. A mulher tem esta capacidade. A de sentir e de querer sem vergonha. Quando se aperceberam, já o calor tinha ordenado que as roupas se subtraíssem. Vislumbrava-se agora mais pele que tecido, mais corpo que imaginação. Rodeavam-se, roçavam-se. Por mais incrível que pudesse parecer, o facto de não haver um único homem no meio delas, ainda lhes dava mais gozo, ainda lhes dava mais prazer. Elevados os espíritos, foi fácil a porta do desejo abrir-se e dar azo a mais cumplicidade, a gestos mais impensados. Ela foi surpreendida por um corpo que se-lhe colou nas costas, passando a mão pelas suas curvas, deslizando pelas costas e terminando nas suas ancas perfeitamente desenhadas. Girou nos seus peep toes e encarou-a de frente espantada. Mordeu o lábio envergonhada. A mão direita acariciou-lhe o rosto que instintivamente inclinou resfolegando de ternura. Piscou ligeiramente os olhos e sentiu uns lábios quentes encostarem-se aos seus. Não recuou. Ofereceu os seus também. Entreabriu-os levemente para tão só testar a libido. A língua dela aproveitou a brecha e invadiu-a toda, entrelaçando-se na dela, molhando-a e fazendo-a estremecer por inteiro. Sentiam os olhares cravados nas suas costas mas naquele momento, já não importava. Quando encostaram o corpo uma à outra, decidiram espreitar a plateia e enfrentar o juízo alheio. Sorriram quando viram grupos transformados em pares, em trios, em verdadeiras orgias de erotismo e descoberta. O beijo dado tinha sido o grito de guerra, o sinal para se abrirem as hostilidades, a chave que abriu o cadeado do que ninguém queria assumir como vontade. Sorriram e decidiram logo ali, aproveitar o que o momento lhes oferecia. Nada o fazia prever. A loucura que lhes perpassava o espírito contaminou o corpo e sem mais, entregaram-se à descoberta de corpos novos mas familiares. A visão era assustadoramente explosiva. Pelo chão jaziam roupas, lantejoulas, sapatos deixados ao acaso e corpos deitados, absolutamente embrenhados em tocar, em apalpar, em beijar, em sentir. O suor escorregava-lhes pela pele, a respiração entrecortada umas vezes, acelerada outras. Um gemido mais audível, outro mais contido, outro completamente despudorado. Nada o fazia prever mas no final da noite, a sensação era a de que há momentos cuja espontaneidade, cuja entrega tem impreterivelmente que culminar assim. Em prazeres descobertos onde menos se esperava.
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