Antecipando "A Festa"
Tinha o gene da loucura, o cromossoma do prazer sem limites. Embarcara numa viagem que sabia não ter retorno e os dividendos seriam multiplicados por corpos e somados a entregas sem fim. Entrara sem olhar para trás. Costumava ser uma pessoa de convicções e queria continuar incólume. A porta fechou-se nas suas costas, deixando ecoar o som pesado e solene de um cadeado. Não hesitou apesar de os seus olhos terem estremecido ao sentir a reclusão a que voluntariamente se havia entregue. O lugar só por si, alimentava-lhe as mais recônditas fantasias, os mais inconfessáveis pecados. Um arrepio percorreu-lhe o corpo. Um arrepio de receio e desejo em simultâneo. Sorriu um sorriso confiante e deu início à marcha lenta rumo ao desconhecido. As instruções que lhe haviam chegado antes daquela noite eram claras e a predisposição para o prazer, para o sexo desenfreado e para a fruição dos corpos eram requisitos de vontade absolutamente essenciais. Depois de entrar, seguir em frente é imperativo. Suspirou fundo e continuou. A normalidade da vida, tão sobejamente monótona, tão banal, tão indiferente não se coadunava com o que lhe ia na alma. Tantas vezes se sentiu uma estranha no meio de conhecidos, se sentiu só no meio de multidões, se sentiu presa e acorrentada apesar de livre. Apaziguou o seu espírito no dia em que decidiu iniciar a sua busca. Estava destinada a actos maiores, a entregas magníficas.
Quanto mais se aproximava mais o seu coração palpitava. Começou a ouvir os sons que provinham do destino que sabia ser seu. Gemidos intensos, quentes, espaçados, frequentes. As vozes eram diferentes, profundas como que enfeitiçadas. Sentiu a luxúria tomar conta do seu corpo. Os pés descalços que acariciavam o tapete aveludado, as pernas trémulas, os seios rijos, a pele arrepiada, os lábios humedecidos, um palpitar molhado e escorregadio. Ouviu a sua mente estalar de vontade de tornar o desconhecido em conhecido, de se testar, de visionar, perscrutar com os olhos o cenário que ela já se havia encarregue de construir. Mais perto, os sons tornaram-se mais audíveis e o coração, sôfrego, parecia querer chegar lá antes dela. O imaginário alcançava mais que a visão e o desejo crescia-lhe no sexo sempre que o prazer ecoava corredor fora. Um grito soberbo e imoral, um ofegar tão crepitante, o som de corpos entregando-se ao profano numa promiscuidade corruptamente consentida. Pressentia o aglomerar de uma multidão envolta em fogo e paixão. Deu o último passo. Entrou num mundo de carnais desejos e visões de prazer reservadas apenas aos corajosos e capazes de se desprender das amarras do dia a dia. Cobiçou, desejou, flirtou. Viu-se cobiçada, desejada. Tocou, gemeu, gritou, beijou, perdeu-se no emaranhado que compunha um desenho difícil de igualar por qualquer fantasia, explodiu. Vezes e vezes sem conta.
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