Receamos o vazio. Receamos a falta abrupta, o sofrimento por privação. Receamos aquele momento em que por força do destino, da fatalidade a que inexoravelmente nos entregamos, nos vejamos alheados do que nos faz sentir plenos. Procuramos sinais de certeza que mais não são que incoerentes dúvidas, rogamos que, a ser verdade, o golpe seja desferido de uma só vez para que o sofrimento se possa confinar a um adormecer para a escuridão e não uma tortuosa viagem penando e agonizando. É uma questão de orgulho também. Por vezes estamos de olhos abertos e não vemos a verdade porque a preferimos embelezada, a preferimos consonante ao que idealizámos. E recostamos o ombro na almofada e sonhamos cor-de-rosa. Vemos o passado, mesmo o recente, pelos olhos de um apaixonado, envergando a lupa de um míope que só assim encontra o X que marca o local onde vai assinar o contrato do destino, onde vai repousar o lacre cuidadosamente queimado e deformado pelo sinete. Vemos o passado e sentimo-lo presente, desejamo-lo, enfim. Sentimos, como se estivesse mesmo ali, o corpo que se entrelaçou em nós, o bafo quente que sentimos na testa proferindo palavras doces enquanto encostamos a cabeça no seu peito. Sentimos, como se estivesse mesmo ali, o deslizar das mãos que nos percorreram as curvas, conhecedoras e aventureiras, o abraço tão apertado que se assemelha a uma verdadeira fusão de quereres. Sentimos, como se estivesse mesmo ali, o preencher do nosso corpo, o entrar e sair que nos surrupia a realidade, evocando o mais animalesco sucumbir, sorrindo face à entrega despudorada, à malícia do desejo. Sentimos, como se estivesse mesmo ali, a vontade de nos deixarmos levar pelo prazer, vendo espelhado nos olhos o rosto que nos hipnotiza e nos sorri agradado ao ver o nosso rosto de prazer, ao nos ver saciados. Recostamos o ombro na almofada e entregamo-nos às reminiscências do que foi e do que queremos seja amanhã de manhã ao acordar. Somos invadidos por suores frios, alucinações, apertos inesperados no peito, tremores descontrolados, respirações descompassadas. Entramos em ressaca.
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