- Sinto-te na minha cintura.
- Mas… se não te estou a tocar!
- Quando tocas, sinto. Quando não estás aqui, sinto ainda mais.
- Isso não faz sentido. Não deveria ser ao contrário?
- Os braços são basculantes, consigo mimar a volta do teu corpo. Os dedos são oponíveis, consigo procurar a curva da tua anca. Mas a cintura é direccionada. Quando não estás aqui, procura-te. Quer-te. Torna-se bélica e tenta alcançar-te. É sentido único. É este o sentido.
- Bélica? Mas isto é algum conflito?
- A guerra é a extensão da política quando se acaba a diplomacia. E por vezes há diplomacia a mais na guerra dos géneros.
- Outra vez o conflito…
- Lutar é como fazer sexo. É invadir o espaço de alguém. É a carne contra a carne. E também há libertação de hormonas…
- Alto lá. Parem esse baile. Mas agora estás a falar de sexo?
- Desde o princípio. As conversas mansas já cansam. Os homens acham sempre que as mulheres precisam de amor.
- Pois. Também nunca gostei desses rótulos. Acham que somos pára-raios emocionais e tentam consolar-nos com um Nunca te vou desiludir ou Ficas bem com qualquer roupa ou até o clássico Sou bom ouvinte… As mulheres são para ser vistas e não ouvidas.
- Mas olha que até ficas bem com qualquer trapinho de Domingo de manhã. Excepto fatos de treino. Isso é que não deveria fazer parte de nenhum closet feminino digno desse nome.
- Mau! Afinal não é sentido único, que a tua conversa agora vai ao contrário. Já te disse que não quero psicanálise e positivismo. Mas tens razão quanto aos fatos de treino.
- Estava exclusivamente a falar sobre roupa. Se fosse sobre ti, teria atirado um cliché qualquer sobre sorrisos.
- Já dizia a música: you’re never fully dressed without a smile. Uma espécie de gato de Cheshire da indumentária. E esse sim, precisava de uma chaise longue e umas horas de conversa a entrar naquela cabeça.
- És, portanto, impecavelmente bem vestida, mas impenetrável.
- Ahhh então isto foi tudo falinha mansa para dizeres que me queres foder?
- Apenas disse que te sinto. Puxas-me pela cintura. Nunca gostei desses rótulos…
Gonçalo Fortes in O Evangelho do Coiote
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