Odiava a partida. Odiava-a com todas as suas forças, do canto mais profundo, mais escabroso do seu ser. Odiava o momento em que os corpos até ali entrelaçados, até ali abraçados, fundidos um no outro, eram obrigados a separar-se, eram obrigados a seguir caminhos diferentes. Odiava ver-se privada do ombro que amava beijar e contornar em carícias ao de leve, com a ponta dos dedos, com a fina pele dos lábios que deixava repousar-lhe nas costas, no pescoço, suave e repenicadamente. Odiava sentir o descolar das suas peles, num arrancar forçado, num despojar da felicidade como que escapando-lhe por entre os dedos, qual areia fina e fugidia, qual cronómetro que lhes ditava o final da corrida. Odiava despedir-se do seu corpo, largá-lo à deriva, quando o que mais gostava era comandá-lo, orientá-lo na sua direcção, tomá-lo como seu e manobrá-lo ao sabor das ondas que criavam com lençóis e almofadas, com girares e posicionares, com aconchegares e excitares. Odiava vê-lo caminhar para longe, tanto quanto amava vê-lo chegar. O batimento acelerado e descompassado, trôpego de vontade, ansioso de paixão, daquele coração que outrora fora um trapo, um farrapo, dava sempre lugar a uma quase morte, a um repouso demasiado silencioso, a um vazio impossível de preencher, um batimento que roçava a flat-line. Odiava a partida. Estendia-lhe sempre o braço, puxando-o para mais um beijo, chamando-o para mais um abraço, inspirando só mais uma vez o seu cheiro, rogando e implorando que o tempo se desdobrasse em mil e lhe concedesse os minutos suficientes para se inebriar dele e do seu cheiro, dele e do seu todo, e conseguir manter-se viva até ao seu regresso.
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