"O espelho é para todos o grande dialogante"
Desejava atrair a admiração e olhar promíscuo daqueles com quem ela se cruzava, causando-lhe inveja, um puro ódio luxuriante, despertando nos corpos circundantes a vontade de lhe ser igual, de lhe ter o corpo e a beleza, de lhe sentir o prazer e o desejo. Regozijava, narcisisticamente, por se sentir admirada, desejada, por alimentar a volúpia ardente nos olhos de quem a cobiçava. Orgulhava-se de cativar e fazer desesperar os corpos que ansiavam o que ela tinha para oferecer, assegurando altiva, o rol de pretendentes ao seu valioso tempo, a um lugar a seu lado, a um instante do seu prazer, a um pedaço da sua cama, a um deslindar do seu íntimo, a um atravessar da sua capa, a um estilhaçar do espelho onde se admirava. Via-se reflectida, ensaiava poses, vislumbrava cenários na sua imaginação. O espelho mostrava-lhe o que corrigir, o seu melhor perfil, o seu melhor ângulo, a sua melhor expressão. Posicionava-se, vezes e vezes sem conta, ajeitava-se, sorria-se. Gostava do que via e sentia-se orgulhosa de saber que o seu reflexo igualava as pistas que a sua mente, o seu espírito lhe davam. Falava com o espelho, uma superfície inerte que apenas ganhava vida com a sua sombra, com os seus movimentos, que não lhe falava de volta mas que lhe dava a resposta a todas suas perguntas. Era nele que via quem gostava de ser, era nele que imaginava o seu corpo entregue a outro corpo, que os via em comunhão, que ensaiava as próximas actuações. E assim, vaidosa e orgulhosa, soberba e caprichosa, construía memórias que consubstanciavam desejos, que explanavam vontades e capturavam sensações.
"Quando se não tem já vaidade no corpo, está-se no fim"
Quotes by Vergílio Ferreira
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