Do mundo dos sonhos, sobram-nos ao acordar, entorpecidos pelo frio da manhã, resquícios de um imaginário, de viagens sonâmbulas, de planetas longínquos de ficção. Do mundo dos sonhos, guardamos ideais de loucura que sonhámos a dormir e que desejamos sonhar acordados. Ao abrir os olhos, ténue e vagarosamente, vemos flashbacks, imagens que já nos fogem da memória, esfumadas e serpenteantes. Aquele lenço vermelho, que lhe flutuava agora em frente aos olhos, solto, suave e esvoaçante, havia sido o ponto de partida para a história daqueles dois amantes desconhecidos. O vento soprava de norte, as nortadas sempre haviam sido a sua maior razão de queixa nos Invernos solitários da sua vida e estava habituada a socorrer-se da roupa mais quente, da sobreposição em camadas de calor, de luvas, gorros e cachecóis. Naquele dia, ao perscrutar o armário, aquela peça parecia chamar por si. Enquadrou-a na indumentária que havia destinado, enrolou-o ao pescoço e saiu, ensonada e preguiçosa rumo a mais um dia de trabalho. Parou no caminho para um expresso, remédio contra o torpor matinal e, apressada, atravessou a rua em direcção ao escritório. Enquanto aguardava o aval do semáforo, cruzou o olhar com um desconhecido que esperava do lado oposto. Um sopro de vento distraiu-os por instantes e o lenço dela voou e foi parar nas mãos dele. Sorriram-se mutuamente. Desejaram-se mutuamente. Verde. Caminharam dispostos a sorrir mais de perto. Roçaram, ombro com ombro, mão com mão. Ela sentiu o seu aroma, ele deixou-se inebriar pelo dela. Queriam-se. Estacaram os seus intentos e num ímpeto, abraçaram as suas mãos. Ele puxou-a no sentido que as suas pernas o levavam e disse-lhe apenas "Anda!". Os restantes passos dados diluíam-se já na memória, recorda-se de caminhar a seu lado em silêncio, atravessando um jardim, de lhe sentir o nervosismo nas trémulas mãos, de uma chave, de um quarto. Recorda-se de ser vendada com o lenço, com o culpado de tudo, de sentir na pele o toque de umas mãos gélidas ao início. Peça por peça, camada por camada, o seu corpo foi sendo posto a descoberto. Sentiu-se frágil e à mercê de um desconhecido mas surpreendentemente, isso não a impediu de se deixar levar. O aroma que o corpo dele emanava junto ao dela, hipnotizava-a, telecomandava-a a deixar-se explorar. E o lenço, passava de canto em canto, dos olhos para a boca, da boca para os seios, dos seios para os pés e dali finalmente para as suas mãos, constritas agora num laço apertado mas ainda assim solto o suficiente para não a magoar. No fundo sabia que queria tudo aquilo. Eram dois amantes desconhecidos mas investidos em se desfrutar, em se conhecer mais e mais profundo, em se dar a perceber, em partilhar o prazer de uma entrega livre de emoções. Só as emoções decorrentes do sexo que queriam. Ele percorreu-lhe toda a extensão da sua pele, tacteando cada imperfeição num perfeito degustar, deu-lhe o prazer de a fazer explodir em toques exímios no seu clitóris, deu-lhe a provar o sabor da sua excitação, deu-lhe a sentir o tamanho do seu desejo em investidas poderosamente deliciosas. Não usaram palavras, entenderam-se por gemidos, por ofegares, por gestos e movimentos ora assertivos, ora lânguidos. No fim, sucumbiram ambos ao cansaço de uma maratona de luxúria. Fecharam os olhos. Ela acordou e sentiu aquele lenço vermelho chamar por si, aquele lenço vermelho que lhe flutuava agora em frente aos olhos, solto, suave e esvoaçante e que havia sido o ponto de partida para a história daqueles dois amantes desconhecidos. Ele acordou e decidiu que naquele dia iria a pé para o trabalho. Apetecia-lhe sentir o vento na cara, o frio no corpo.
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